domingo, 10 de novembro de 2013

O comício da Central do Brasil

Dia 13 de março de 1964, Central do Brasil. Cento e cinquenta mil brasileiros esperançosos, eufóricos, estavam lá, esperando as palavras do então presidente João Goulart, do deputado Leonel Brizola, do governador Miguel Arraes e do secretário geral do PCB Luis Carlos Prestes. Eram muitos integrantes de entidades sindicais, diversas organizações de trabalhadores da cidade e do campo, servidores públicos civis e militares, estudantes e demais camadas populares. Todos a favor das chamadas mudanças da nação: a reforma da base e a defesa das liberdades sindicais e democráticas.

A Central do Brasil estava tomada pela população, como nunca havia acontecido na história do país. A concentração humana passava pelas pistas da Avenida Presidente Vargas, e até as imediações da entrada do Túnel João Ricardo.

FAIXAS E CARTAZES

Brasileiros motivados pelo desejo de mudança levavam faixas como: “Reconhecimento da China Popular”, ”Viva o PCB”, “Emcapação de Capuava”, “Abaixo com as companhias estrangeiras”, “Brizola 65”, “Jango- Defenderemos as Reformas a Bala”.

Faixas estendidas pelo povo, em meio aos militares
Também estavam por lá os militares, prontos para ouvir as declarações dos nossos representantes, para logo depois, no dia 1 de abril, instalarem o Golpe.

Houve um princípio de confusão na Praça Cristiano, sem grandes alardes, até uma faixa pegar fogo, ferindo mais de 140 pessoas. Além disso, uma bomba que explodiu um pouco antes de ser iniciado o comício, deixando sete feridos.

DISCURSOS

Às 19:40, na hora de subir ao palco, Jango ouviu atentamente o discurso do então deputado Doutel de Andrade, que parecia estar nervoso e decidido com todas as frases imperativas que lançava ao público. Uma crítica ao capitalismo, e o total apoio para o presidente e os trabalhadores.

João Goulart discursa durante o comício

Enfim, às 20:00 horas, começa o discurso do presidente. Nele, com total autoridade e seguro do que estava falando, assinava dois decretos: o decreto da Supra (Superitendência da Reforma Agrária), que desapropriava todas as propriedades de mais de 100 hectares localizadas em uma faixa de 10 km à margem de ferrovias e rodovias federais, e o decreto das refinarias, que tornavam nacionalizadas todas as refinarias particulares de petróleo. Ao final, Jango reafirmou o seu posicionamento pela polícia democrática no país. Abaixo, pode-se conferir trechos importantes desse discurso:

“ Essa Constituição é antiquada, porque legaliza uma estrutura sócio-econômica já superada, injusta e desumana; o povo quer que se amplie a democracia e que se ponha fim aos privilégios de uma minoria; que a propriedade da terra seja acessível a todos; que a todos seja facultado participar da vida política através do voto, podendo votar e ser votado; que se impeça a intervenção do poder econômico nos pleitos eleitorais e seja assegurada a representação de todas as correntes políticas, sem quaisquer discriminações religiosas ou ideológicas. (...) São certamente, trabalhadores, os piores surdos e os piores cegos, porque poderão, com tanta surdez e tanta cegueira, ser os responsáveis perante a História pelo sangue brasileiro que possa vir a ser derramado, ao pretenderem levantar obstáculos ao progresso do Brasil e à felicidade de seu povo brasileiro. (...) A partir de hoje, trabalhadores brasileiros, a partir deste instante, as refinarias de Capuava, Ipiranga, Manguinhos, Amazonas, e Destilaria Rio Grandense passam a pertencer ao povo, passam a pertencer ao patrimônio nacional. (...) Hoje, com o alto testemunho da Nação e com a solidariedade do povo, reunido na praça que só ao povo pertence, o governo, que é também o povo e que também só ao povo pertence, reafirma os seus propósitos inabaláveis de lutar com todas as suas forças pela reforma da sociedade brasileira. Não apenas pela reforma agrária, mas pela reforma tributária, pela reforma eleitoral ampla, pelo voto do analfabeto, pela elegibilidade de todos os brasileiros, pela pureza da vida democrática, pela emancipação econômica, pela justiça social e pelo progresso do Brasil. “ 

Quando chegou a hora do seu discurso, Leonel Brizola, num tom de rebeldia, defendia e elogiava as atitudes tomadas pelo presidente Jango. Brizola, que sempre foi um grande aliado do nacionalismo esquerdista, garantiu que um governo que traz benefícios e que ouve as vozes do povo, terá de ser democrático e popular. Em seus olhos, podia-se perceber tremores de medo e de luta. Medo, dos seus “compatriotas” oposicionistas e conservadores, tomarem um Golpe, e luta, por posicionar-se pronto para ser contra e não permitir que o mesmo fosse realizado.

Brizola

Os rumores e tensões do Golpe Militar já rondavam os gabinetes da República, e vários infiltrados dos principais Estados, como Minas Gerais e São Paulo, estavam com os ouvidos no Comício, para pegar um gancho que fosse, e mediocrizar as palavras ditas pelos representantes, semeando o espaço para o Golpe ser concretizado.

“A partir destes dois atos – assinatura do decreto da SUPRA e do que encampa as refinarias particulares – desencadear-se-á, por esse país, a violência. Devemos, pois, organizar-nos para defendermos nossos direitos. Não aceitaremos qualquer golpe, venha ele de onde vier. O problema é de mais liberdade para o povo, pois quanto mais liberdade o povo tiver maior supremacia exercerá sobre as minorias dominantes e reacionárias que se associaram ao processo de espoliação de nosso país. O nosso caminho é pacífico, mas saberemos responder à violência com a violência. O nosso presidente que se decida a caminhar conosco e terá o povo ao seu lado. Quem tem o povo ao seu lado nada tem a temer. “ disse Brizola no fim de seu discurso.

REPERCUSSÃO

Para a população presente, o comício só teve respostas motivadoras e do que realmente se esperava. Uma verdadeira festa popular. Todas as manchetes dos jornais, nos dias seguintes, estampavam o discurso de Jango e seus decretos, como mostradas abaixo:

Capa do jornal Ultima hora do dia 14 de março de 1964
  • Pedido De Emenda À Constituição Tem Fins Continuístas 
  • Pregação Contra O Congresso Provoca A Reação Parlamentar 
  • Atmosfera Revolucionária No Ato Da Encampação E Desapropriação “(Tribuna da Imprensa) 
  • Estado Toma Conta De Refinarias E Vai A Latifúndios 
  • Constituição Não Serve Mais “ (Diário de Notícias)
Capa do Jornal do Brasil do dia 14 de março de 1964

  • Treze Oradores Falaram No Comício Das Reformas “ (O Globo) 
  • No Comício De Ontem Na Central Do Brasil O Presidente Formula O Seu Programa: Progresso Com Justiça e Desenvolvimento Com Igualdade (A Noite) 
  • Pacto Do Povo Com Jango: Reformas A Qualquer Preço “(Diário Carioca)
ACUSAÇÕES À JANGO

Apesar de tamanha repercursão positiva, o então governador da Guanabara, Carlos Lacerda, membro do partido extinto UDN, julgou o Comício, alegando que se tratava de um assalto à Constituição, ao bolso e à honra do povo. Acusou Jango de ser uma pessoa fora do controle, que vai além do seu poder como presidente, e que já não sabe mais o que fala nem o que faz.

Juntando as declarações feitas por Lacerda, membros da oposição, já preparados para o Golpe que iria se instalar dias depois, consideraram os discursos daquela noite violentíssimos. E de imediato, conseguiram convencer a população através dos seus gritos, que faziam coro, principalmente das camadas conservadoras , oposicionistas, civis e militares. – “Impeachment de João Goulart! Ele é comunista!” Os pés já prontos para aquilo que havia de chegar, do mais perigoso e ditador, que se chamara Golpe Militar.



Por: Livia Briani, Tatiana Araújo e Vitor Boghossian

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