domingo, 10 de novembro de 2013

Está no ar... O Golpe e o Rádio de 64


Primeiro de abril de 1964. Muito bom dia pra você que sintonizou neste momento o seu radinho, não troque de estação, pois a partir de agora vamos mantê-lo muito bem informado sobre todas as notícias do Brasil e do mundo. A data de hoje para muitos é considerada apenas o Dia da mentira. Mas o que vamos contar no programa é a pura verdade. Começa agora a ditadura militar!

Se existissem, essas palavras também ficariam marcadas na vida de inúmeros brasileiros que vivenciaram aquela data e tinham o costume de acompanhar o noticiário através do rádio. Este primeiro de abril vai ficar na memória dos brasileiros mesmo depois dos 30 anos de censura. As 24 horas que estavam envolvidas na publicação de um jornal, na grade de televisão ou na programação das rádios seriam preenchidas a partir dali com espaços em branco, pausas, poesias, falta de informação e até receitas de cozinha. Os veículos de comunicação foram um dos principais alvos do novo regime.

A ditadura militar veio acompanhada da censura à imprensa. Jornalistas não podiam apurar a principal notícia do dia. As informações sobre os acontecimentos reais a cerca do golpe de 64 eram camufladas por censores que vetavam tudo e ditavam as normas do que seria revelado. No caso do rádio não foi diferente. Locutores tinham que lidar com a rotina de textos cortados e falas previamente manipuladas. A pauta do dia passava longe de prisões, torturas, desaparecimentos, perseguições e censura. Antes de ir ao ar, os sripts deveriam ser levados ao censor dos militares. Se na programação estivessem escaladas músicas de cunho ideológico, como as de Chico Buarque, elas eram retiradas da programação e a Rádio recebia uma advertência. Na teoria existiam regras do que deveria ou não ser vetado. Mas, na prática, os censores transformaram-se em pequenos ditadores locais, com força e arbítrio para deliberar e punir quem quisessem.

O clima de medo pairava nas redações e com as delações de opositores ao regime, muitos jornalistas também foram exilados e tiveram seus direitos políticos cassados. A situação chegou num ponto que ninguém mais sabia dizer ao certo se o seu vizinho ou amigo na verdade era um informante do governo.

Com implementação do Ato Institucional número 5 a repressão tornou-se ainda mais violenta, com a demissão de professores universitários, de funcionários públicos ou aposentados, prisão e tortura de líderes políticos e um fortalecimento da censura de todos os meios de comunicação, livros e espetáculos teatrais. Mas antes do AI 5 muita água rolou.

O DIA EM QUE O RÁDIO SE CALOU

Em São Paulo, as principais emissoras de rádio e televisão foram ocupadas pelos militares durante a madrugada do dia primeiro de abril de 1964. Naquela manhã, O Repórter Esso, por exemplo, não pôde falar aos seus ouvintes que estavam assustados com todas a movimentação de soldados e tanques de guerra pelas ruas do país e ansiavam por notícias dos primeiros instantes do golpe militar.

A primeira edição radiofônica do Repórter Esso, às oito em ponto, passou em branco diante daquelas tumultuadas horas. O locutor Fábbio Perez foi barrado logo na entrada do estúdio por um oficial do Exército, justificando que a Revolução tinha se consumado, e tudo estava sob censura. Justamente na hora em que tudo estava acontecendo, ninguém sabia de nada.

Em Minas Gerais, a Rádio Itatiaia fez uma entrevista antecipando a proximidade do golpe. No dia 30 de março de 1964, o general Guedes, comandante da unidade federal sediada em Belo Horizonte, repassou aos ouvintes a certeza de que a revolução ocorreria. Em outra ocasião, a Itatiaia noticiou uma matéria extraída da agência JB que, na época, era respeitada como fonte segura. A censura não deixou por menos e vetou. A JB acabou demitindo todo mundo.

No jornal eram publicadas poesias, receitas de bolo e outros absurdos nos lugares das notícias censuradas. Já o rádio e a televisão estavam sob censura total. Oficiais militares acompanhavam a leitura no estúdio para verificar se não havia inclusões ou supressões de palavra, e mesmo alguma entonação inadequada durante os programas. Eles atendiam por agentes de censura.

Um importante passo da ditadura no controle dos cidadãos foi criado em junho de 64, o SNI - Serviço Nacional de informações, cujo principal objetivo era coletar e analisar informações pertinentes à segurança nacional, à contra-informação e à informação sobre questões de subversão interna. Temas a serem publicados ou levados ao ar eram selecionados contando com o apoio de uma equipe de jornalistas, psicólogos e sociólogos.


Com toda a situação imposta aos meios de comunicação brasileiros, além da auto-censura praticada pelas entidades que apoiaram o regime militar, a única fonte confiável de informação que restava era o noticiário e editoriais políticos transmitidos pelo rádio de ondas curtas dos outros países direta ou indiretamente envolvidos nos acontecimentos.

NAS ONDAS DOS ESTRANGEIROS 

A Rádio Central de Moscou, fazia contraponto a então Rádio Voz da América, na polarização "Socialismo x Capitalismo", ou "Comunismo x Imperialismo". A BBC de Londres que investia fortemente em programas em português para o Brasil, trazia informações até então isentas da propaganda militar dos golpistas de 1964. Outras emissoras do Leste Europeu além da Rádio Tirana, como a Rádio Bulgária, transmitiam para o Brasil e participaram ativamente na formação ideológica de uma pequena parcela culta da população, que a busca de informações sobre o próprio país.

Como as emissões de ondas curtas não podiam ser censuradas pelo regime militar, e principalmente, seus ouvintes não podiam ser rastreados e nem identificados, o rádio de ondas curtas e as emissoras internacionais representavam muitas vezes a única fonte de informação.

Os noticiários do Brasil quase não veiculavam notícias sobre a Guerrilha do Araguaia, uma das mais expressivas reações armadas contra o regime militar, que foi organizada pelo Partido Comunista do Brasil, no sul do Pará.


Com todas as rádios do país e os demais meios de comunicação sob censura, as rádios paraenses mantinham-se informadas sobre a guerrilha, que se passava em território paraense, através da Rádio Tirana, da Albânia. Os militares censuravam toda informação que pudesse passar a ideia de que os guerrilheiros estavam bem organizados e armados. Como os guerrilheiros assaltavam bancos para comprar armas, a imprensa não podia noticiar assaltos a bancos. Depois, essas notícias foram liberadas, mas com uma condição: que não fosse divulgada a quantidade de dinheiro roubada. 

Os poucos repórteres do rádio que ousaram ir contra as ordens militares foram presos. Entre eles, Joaquim Antunes e Paulo Ronaldo. O primeiro foi preso por ter denunciado, durante o seu programa Banco de Praça, na Rádio Difusora, que haviam dado aumento salarial para os militares e não para os civis. Ele entrou novamente em conflito com o governo militar, quando saiu em defesa de um amigo em seu programa. Para não ser preso mais uma vez, Antunes teve que se retratar publicamente

Depois a censura de presença física deu lugar à censura através do telefone com a proibição de determinados assuntos. Esse procedimento se estabeleceu durante todo o regime militar. Os pronunciamentos só estavam liberados para o novo presidente Castelo Branco, e autoridades do governo.

NOTÍCIAS QUE NÃO FORAM AO AR PELO REPÓRTER ESSO

“O Palácio da Guanabara informou hoje às três horas da madrugada, que fuzileiros navais se postaram ante aquele Palácio, que está sendo custodiado por forças da Polícia Militar do Estado. Acrescenta que os fuzileiros se limitaram a tomar posições ante o Palácio.”

“O Governador Adhemar de Barros expediu ordens para requisição de todos os depósitos de óleo combustível e de gasolina existentes no estado. Determinou também a imediata ocupação da Baixada Santista por contingentes da Força Pública.”

RELATOS DE UM RADIALISTA - José Carlos Araújo

Em abril de 64 José Carlos Araújo era locutor comercial da Rádio Eldorado e também fazia algumas pontas de esporte na Rádio Globo, onde mais tarde foi contratado para ser repórter e locutor. Garotinho, como é conhecido, relembra sua história e fala que a Revolução aconteceu mesmo no dia primeiro daquele mês, diferentemente do que muitos militares dizem - que foi no dia 31 de março, porque o dia primeiro é considerado o dia da mentira.


Ele saía da Rádio Eldorado a caminho do ônibus para ir para o seu segundo emprego quando a notícia veio. Aquele, por incrível que pareça, era o dia em que Garotinho faria sua primeira participação como repórter da Rádio Globo como plantonista esportivo, dessa vez com carteira assinada. Na data, Fluminense e Bangu se enfrentariam no Maracanã com a narração de José Cabral, conhecido como o Moço da Maricota. Zé Carlos conta que foi para a Rua Irineu Marinho, onde ficava a Rádio, para aguardar a saída da equipe de transmissão. Pois bem. Fluminense e Bangu se enfrentariam se não fosse cancelada toda a rodada do Campeonato Carioca. Foi o que aconteceu. “Não vai haver futebol por causa da revolução”. Quando o locutor chegou na Rua Irineu Marinho, deu de cara com um carro de Fuzileiros Navais, onde havia uma tropa de choque invadindo o prédio do Globo. Com o susto, Garotinho andou pelos cantos até pegar o elevador que dava acesso à rádio. E ficou aguardando. 

Pela janela da Presidente Vargas na Rádio Eldorado ele observava as repartições dispensando seus funcionários, todos indo pra casa. Na Irineu Marinho não dava pra ver, não tinha uma visão do que se passava pela cidade. O que ele viu foi que os fuzileiros entraram justamente para impedir a edição do Jornal o Globo já que a censura passou a ser muito forte a partir dali. E dali houve uma transformação inteiramente no Rádio. 

Enquanto isso, no Sul, Leonel Brizola, na Mairink Veiga, defendia a permanência do João Goular e não o Golpe militar que afastou o então presidente da República. O Leonel comandava a Cadeia Farroupilha através da Rádio Farroupilha de Porto alegre, e as notícias eras essas segundo José Carlos Araújo: “As tropas do segundo exercito estão se deslocando pela BR 040 de Juiz de Fora para o Rio de Janeiro. 

O noticiário era muito assustador., relembra ele. A partir daquele momento as informações passaram a ser censuradas e Gotinho, com 23 anos na época, acompanhou todo o período da ditadura militar. As censuras nas redações de rádio, jornal , e tv chegavam ao ponto de fazer com que os principais jornais como a Tribuna da Imprensa, o Jornal do Brasil, e a Ultima Hora estamparem espaços em branco na primeira página e receitas de bolo. Mas na época existiam jornais clandestinos também e foram surgindo ainda outros jornais como o jornal Pasquim, que noticiava com muito humor os acontecimentos. 

No Pasquim Garotinho escreveu durante um ano na década de 80, onde ainda existia a censura. A linguagem de comunicação era cifrada. Ele conta que o movimento universitário era muito forte e muito comum. Nos shows de finais de semana e campos universitários havia penetração do censor para denunciar quem estava cantando, por exemplo. Ninguém sabia para onde você era levado. Garotinho tinha terminado a faculdade naquela época e passado num concurso para professor de estado. O primeiro de abril ficou marcado em sua vida exatamente por essa transformação social e política do Brasil e da imprensa e em sua vida profissional.

Todo mundo que era universitário era engajado na política e Garotinho não se lembra de nenhum colega na época que se dizia de direita. A sua família toda era de esquerda, ele teve primos e tio cassados, pessoas de movimento sindical, ferroviário, de Petrobrás, Engenheiro, Médico, todos atemorizados. Ele era engajado mas tinha pouco tempo, pois trabalhava como professor em 2 colégios, na redação da Rádio Globo como ainda estava entrando para o Jornal o Dia como repórter. O tempo que podia dedicar aos movimentos nos diretórios estudantis era mínimo. 

O locutor também tinha uma responsabilidade muito grande de manter a família. Ele já sustentava os familiares e não podia correr o risco de perder o emprego. Para ele o mais triste é que dentro das redações havia sempre um censor e antes de um jornal ir para a rotativa era preciso passar por um censor. Antes de um Jornal Nacional ir pra a TV Globo, passava por um censor. No rádio isso era mais suave, segundo José Carlos, porque Roberto Marinho que era tido como homem reacionário abrigou muitos profissionais que eram perseguidos pela ditadura. Quando ele era pressionado pela ditadura, ele dizia assim: vocês cuidam dos seus comunistas, eu cuido dos meus. 

Naquela época um religioso que era apontado como aliado da ditadura militar, Dom Eugênio Sales, alagoano, foi cardeal arcebispo do Rio, abrigou muitos comunistas. E só depois de muitos anos chegaram a essa informação. Até então achavam que ela era informante da ditadura, protetor da linha de direita reacionária. Tudo isso são lembranças daquele primeiro de abril para José Carlos Araújo, o verdadeiro Garotinho, como é chamado.

Hoje ele apoia todas as manifestações de ruas e acredita que isso não vai induzir militares a repetir esse erro da ditadura. Mas quando vê os black blocks, tem a sensação de que estão defendendo os interesses de uma intervenção militar dentro de um regime democrático que é o melhor regime do mundo. 

EXTRA - ENTREVISTA COM JOSÉ CARLOS ARAÚJO

PARTE 1


PARTE 2


Por: Kelly Junqueira Dias Coli

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