terça-feira, 29 de outubro de 2013

O Teatro em 64 - A Arte Reprimida


“Afasta de mim esse Cálice” era o que todos os artistas cantavam em silêncio e com a cabeça  baixa enquanto andavam nas ruas durante o ano de 64. A arte que contém em si todo o furor da expressão histórica e de pensamento agora teria que ser abafada. O movimento artístico foi reprimido como qualquer outro movimento que tivesse algum resquício de esquerda, ou qualquer detalhe que os militares julgassem como “suspeito”.

A repressão sempre precisa de alguns buracos para escapar e não acabar sufocada, mas arte sufocada só poderia gerar mais arte. E foi o que aconteceu. Embora as artes só fossem ser duramente censuradas a partir do AI-5, em 64 já era discutido entre os artistas onde esta não liberdade no cotidiano brasileiro ia parar. Já não era permitido debater os conceitos, nem se expressar de forma livre, abrindo todas as portas e cabeças, como a arte costuma fazer.  Os militares reprimiram o movimento que não tem limites e parafraseando novamente Chico Buarque, quando chegou o momento, eles cobraram o sofrimento com juros.

A peça “Liberdade, Liberdade”, escrita por Flávio Rangel e Millôr Fernandes, foi encenada pela primeira vez em 1965 e reunia vários textos históricos.  Foi produzida pelos grupos Opinião e Teatro de Arena, muito conhecidos naquela época por se dedicarem a criar uma nova dramaturgia brasileira. O grupo Oficina tinha como diretor Augusto Boal, precursor do teatro do oprimido, uma técnica amplamente conhecida hoje no mundo todo. Existiam mais dois grupos importantes nessa época, que era o Oficina e o TBC (Teatro Brasileiro de Comédia).

O grupo Oficina foi dirigido por um dos mais brilhantes diretores de teatro, conhecido como Zé Celso, que até hoje divide opiniões entre as pessoas. A peça mostrava justamente como o teatro seria a resistência daquele golpe que acabava aos poucos com as liberdades individuais de expressão. Aos poucos, foram formando grupos pequenos, que se instalavam nas pequenas companhias de teatro e em espaços alternativos, com pouco público. O importante era passar a mensagem e continuar vivendo a arte, mas claro que de forma branda e mascarada.


O clima começou a esquentar em março de 65, quando aconteceu a proibição total do texto, "O Vigário", de Rolf Hochhuth. Algumas peças já tinham sido censuradas em algumas partes e precisaram estruturar novamente o texto para que partes fossem cortadas ou modificadas. Mas a partir da primeira proibição de uma peça inteira foi o suficiente para começar uma onda de proibições de expressões culturais.

Os responsáveis e atores das montagens eram acusados de estarem "engajados na implantação de uma ditadura cultural, através do abuso de liberdades democráticas e em estreita obediência à recente diretriz do PCB" - uma linguagem que se tornaria rotineira  partir desse ponto.
Em dezembro o grupo “Opinião” foi uma das principais companhias a começar de frente com o Regime Militar. Eles apresentaram o show Opinião, dirigido por Augusto Boal, o diretor que criou e introduziu o teatro do oprimido no Brasil. O show foi interpretado por Nara Leão, na época.


Em 64 ainda pouco se sabia o que viria a acontecer com o teatro brasileiro. Pode-se dizer que no ano de 1968 o teatro viveu um dos momentos mais críticos do país. Teatros fechados, peças proibidas e atores humilhados pelos militares em cima do palco. Até o AI-5 um sentimento de luta passava pelos atores. Eles queriam reinventar o teatro, criar novas técnicas e conceitos, mas tiveram que se conter em fazer tudo debaixo dos panos.


Por: Marcela Picanço

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